Efeito coronavírus: mercado está pronto para novos cortes da Selic em 2020

Decisão do Fed nos EUA de cortar juros emergencialmente com aumento do surto de Covid-19 fez economistas reavaliarem projeções por aqui

Anderson Figo Mariana Zonta d'Ávila Beatriz Cutait

Fachada do Banco Central do Brasil (divulgação)

SÃO PAULO — Apesar de esperado, o corte emergencial de 0,5 ponto percentual na taxa básica de juros dos Estados Unidos, anunciado hoje pelo Federal Reserve, pegou boa parte do mercado de surpresa. A reunião de política monetária do banco central americano está marcada para os dias 17 e 18 deste mês.

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O recuo da Fed Funds Rate para o intervalo entre 1% e 1,25% ao ano é uma tentativa da autoridade monetária americana de combater os efeitos negativos do surto de coronavírus no PIB daquele país. E o anúncio teve impacto no mundo inteiro, inclusive aqui no Brasil, onde alguns economistas revisaram suas projeções para a Selic.

É o caso dos economistas do Asa Bank, liderados por Carlos Kawall, que na última segunda-feira revisaram as projeções para três cortes seguidos da Selic na magnitude de 0,25 ponto percentual a partir de maio e, hoje, revisaram novamente os seus números.

Agora, a casa prevê um corte de juros de 0,50 ponto percentual na próxima reunião do Copom, também nos dias 17 e 18 de março, para 3,75% ao ano. A decisão deve ser seguida por mais um corte de 0,25 ponto percentual, com a Selic atingindo 3,50% em maio — patamar que deve permanecer até o final de 2021, segundo o Asa.

O Goldman Sachs também revisou sua expectativa e, agora, espera dois novos cortes de 0,25 ponto percentual na Selic, nas reuniões de março e maio, terminando o ano a 3,75%. A equipe de economistas do banco ainda cortou a projeção de PIB para o Brasil de 2,2% para 1,5% neste ano.

Antes do anúncio de hoje do Fed, gestores ouvidos pelo InfoMoneycomeçavam a sinalizar novos possíveis cortes na Selic em meio aos efeitos negativos da escalada do coronavírus no mundo. Márcio Appel, sócio e fundador da Adam Capital, disse que não há motivos para o BC parar de cortar os juros. “Todas as variáveis indicam isso.”

No fim da tarde de hoje, o Banco Central do Brasil divulgou um comunicado no qual disse que as próximas semanas permitirão avaliação mais precisa do efeito coronavírus na economia, o que corroborou a tese de que novos cortes na Selic estão por vir, segundo analistas.

O InfoMoney entrevistou economistas de diversas instituições financeiras do país sobre a redução de juros nos EUA e o futuro da Selic diante do coronavírus. As entrevistas foram feitas após a decisão do Fed, mas antes do comunicado do BC brasileiro sobre juros. Veja a avaliação de cada um abaixo.

Porto Seguro Investimentos

O economista-chefe da Porto Seguro Investimentos, José Pena, reduziu a projeção para a Selic neste ano. Antes, ele esperava que a taxa fosse terminar 2020 nos atuais 4,25% ao ano. Agora, espera dois cortes sucessivos de 0,25 ponto percentual a partir deste mês, que levariam a taxa para 3,75%.

Ao mesmo tempo, a projeção para o crescimento do PIB caiu de 2,5% para 1,8% em 2020, enquanto a expectativa para a taxa de câmbio subiu de R$ 4,25 para R$ 4,50. Já para a inflação, ele elevou sua projeção de 3,10% para 3,20% no ano.

Para Pena, o Fed surpreendeu no timing, mas não na decisão de cortar os juros. “O mundo foi para o Carnaval de um jeito e saiu completamente diferente”, ressalta, apontando que a percepção de que a forte queda dos preços dos ativos seria seguida de uma rápida recuperação foi alterada.

“Agora, a economia deve levar mais tempo para se recuperar, porque, além da China, outras economias importantes começam a ser afetadas.”

Além do efeito direto do vírus na atividade, o economista lembra do impacto sobre a confiança dos agentes econômicos. “Acho que está havendo um processo de deterioração de expectativas, mas, além de baratear o preço do dinheiro, ao cortar os juros, o Fed oferece uma espécie de conforto para os agentes econômicos, no sentido de estar preparado e disposto a usar o que tiver a ser alcance, sua munição, que não é muita, para mitigar efeitos do impacto negativo do coronavírus.”

Garde Asset

Na avaliação de Daniel Weeks, economista-chefe da Garde Asset, o corte promovido pelo Federal Reserve era necessário, dado o ambiente de “choque” por conta do coronavírus. “Não é a solução para todos os problemas, mas ajuda.”

Weeks cita o comunicado divulgado pela teleconferência do G7, sobre as reações que seriam tomadas pelas autoridades monetárias ao redor do mundo, e diz que a reação do Fed, tida como positiva, ocorreu mais cedo que o imaginado.

“Foi uma boa decisão e devem vir novos cortes”, afirmou Weeks, que espera um novo corte pelo banco central americano já na próxima reunião.

“O Fed inaugurou uma temporada de flexibilização monetária no mundo todo, vai diferenciar quem tem mais espaço. O BC europeu, por exemplo, não tem muita munição, mas os EUA devem cortar mais juros. E no Brasil não vai ser diferente”, destaca.

Segundo o economista, o Copom deve cortar a Selic em 0,50 ponto percentual na próxima reunião e em 0,25 ponto percentual na de abril, levando a taxa básica de juros para 3,5% ao fim de 2020. Até segunda-feira (2), o cenário-base da Garde era de Selic estável em 4,25% ao longo do ano.

“O choque do coronavírus muda os riscos, por conta de uma atividade e inflação mais fracas, então não faz sentido continuar conservador. O BC deve reagir logo, assim como o Fed”, disse, ressaltando apenas que não deve haver uma decisão emergencial no Brasil como aconteceu nos EUA.

Para o PIB, a projeção anterior era de um crescimento de 2,5%. Com o evento, as expectativas caminham agora para uma expansão perto de 2%. Com relação à inflação, a Garde vê o indicador em 2,75% neste ano e 3,3% em 2021.

Credit Suisse

Para Lucas Vilela, economista do Credit Suisse, o corte de juros do Fed já era esperado, mas a surpresa ficou com o timing do anúncio, antes da reunião oficial do Fomc (comitê de política monetária do Fed).

“Na semana passada, o presidente do Fed, Jerome Powell, já tinha sinalizado que a instituição poderia agir a qualquer momento. Nossos cenários macroeconômicos para os Estados Unidos já precificavam um corte, por isso foram mantidos.”

O banco espera um crescimento de 1,7% da economia americana neste ano. O dado foi revisado de 1,8%. “Por enquanto, não esperamos mais nenhum corte do Fed neste ano. Mas os economistas do banco nos Estados Unidos podem revisar este cenário.”

Para o Brasil, Vilela revisou as projeções para a Selic após a decisão do Fomc. “A gente via manutenção [em 4,25% ao ano] em março e, agora, a gente vê espaço para corte de 0,25 ponto percentual em março e mais 0,25 ponto percentual em maio, terminando o ano em 3,75%.”

A projeção de crescimento da economia brasileira já havia sido cortada pelo banco recentemente, de 2,3% para 2%, considerando o impacto negativo do coronavírus. Para 2021, há expectativa de alta de 2,7% do PIB do país.

“Nos Estados Unidos, há uma preocupação mais global, por isso a antecipação do anúncio de corte de juros faz sentido. Aqui, o foco é mais doméstico. A redução de juros no Brasil impacta muito mais o mercado local do que a economia mundial”, diz. “Ainda é cedo para rever a projeção de crescimento do PIB em 2021, mas estamos monitorando.”

ARX

Para Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, mesmo com a decisão de corte dos juros pelo Fed, ainda é cedo para começar a precificar uma queda da Selic no Brasil.

“Aumenta a chance, mas, se a incerteza global diminuir e as condições financeiras no exterior estiverem mais frouxas, não haveria motivos para queda adicional da Selic, na minha opinião”, destaca.

A economista avalia que só haverá espaço para mais afrouxamento no mercado doméstico se o risco de desaceleração global continuar alto, a despeito dos estímulos fiscais e monetários do G7.

Azimut

Na visão de Helena Veronese, economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management, a decisão do Fed em si não chegou a ser tão inesperada, dado que o mercado já “flertava com um corte de juros”.

O foco da ação, contudo, não está na atividade, mas, sim, nos mercados. “Uma política monetária frouxa não vai fazer com que as fábricas voltem a operar, que a atividade volte a crescer. O impacto imediato é nos mercados acionários”, assinala a economista, ressaltando que, se dependesse do ritmo da economia, os Estados Unidos não demandariam um novo corte de juros.

Ainda que não queira classificar a decisão como precipitada, Helena acredita que o Fed poderia ter aguardado a próxima reunião oficial, em 18 de março, para o anúncio. E tudo leva a crer, em sua avaliação, que o banco central americano terá espaço para levar adiante novos cortes, assim como outras autoridades monetárias.

No Brasil, por ora, a Azimut Brasil Wealth Management mantém o cenário de juros estáveis em 4,25% ao ano em 2020, mas a economista-chefe admite que a decisão do Fed abre espaço para um novo corte da Selic e que há a possibilidade de mudança do cenário-base.

Do ponto de vista de alocação, a gestora segue com uma perspectiva positiva para a Bolsa brasileira. “Não alteramos nosso cenário de alocação. Antes do coronavírus, tínhamos uma visão construtiva para a Bolsa, com a recuperação doméstica em curso e com uma estabilizada na desaceleração internacional. Óbvio que [a epidemia] vai afetar atividade do mundo, inclusive o Brasil, mas nosso cenário para a Bolsa não mudou.”

BNP Paribas

A equipe do BNP Paribas revisou, há duas semanas, seu cenário-base para Brasil, depois de um corte na previsão de crescimento chinês, de 5,7% para 4,5%, que desencadeou mudanças ao redor do mundo.

A projeção para o crescimento brasileiro diminuiu de 2% para 1,5%. Diante do impacto desinflacionário da epidemia de coronavírus, o economista-chefe Gustavo Arruda, do BNP Paribas no Brasil, o banco passou a embutir três cortes da Selic de 0,25 ponto percentual cada em seu cenário, levando a Selic para 3,5% neste ano.

Por ora, a expectativa é de que os cortes comecem em junho, mas Arruda não descarta uma antecipação por parte do Banco Central brasileiro.

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Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.